A barca do inferno é um mito antigo. Nele, um barqueiro
conduz os passageiros até o destino cobrando duas moedas pela mórbida travessia.
Por isto, muitas civilizações, nas cerimônias fúnebres, queimavam seus mortos
com as moedas nos olhos.
Este mito muito poderoso, para mim, representa a
perversidade do projeto neoliberal. Talvez as moedas do barqueiro possam referenciar o dinheiro,
cada vez mais concentrado na mão de poucos, corrompendo consciências e tapando
os olhos dos condenados. Afinal, nunca se concentrou tanta renda na
mão de tão poucas pessoas no mundo. Assim, os estados nacionais se tornaram reféns do
sistema, tendo sua soberania minada a cada nova investida neoliberal.
O mercado de capitais se transformou em uma jogatina global,
onde as novas tecnologias permitiram a quebra do tempo e do espaço, numa banca
de apostas que não para nunca de girar a roleta. A partida é jogada “com os
dados viciados”, onde os apostadores são juízes do jogo e ao mesmo tempo
legisladores das regras, podendo usar todo o poder do capital, inclusive bélico,
para mudá-las de acordo com as conveniências.
Um poder muito grande, que vai desde os braços políticos
ideológicos financiados pela fina flor do capital, passando pelos legisladores,
desembargadores, juízes, governantes, militares e militantes neoliberais, infiltrados
na burocracia dos estados nacionais.
Tendo seus interesses defendidos por toda uma estrutura de
alienação e controle exercida por variadas instituições burguesas, especialmente,
os veículos de comunicação de massa, a lógica neoliberal foi ganhando espaço.
A mídia atua como ponta de lança do processo de
desempoderamento dos governos nacionais, com a tática da critica a ineficiência
e corrupção do estado. Os ataques têm o propósito de convencer a opinião
pública que a receita de salvação da economia global era o mercado
desregulamentado, realizando as tarefas que o dito estado incompetente não dava
conta. Alinhando a este triste drama, embutiam as mensagens da prevalência dos
interesses individuais em contra-peso as demandas coletivas. O individualismo
versus sociabilidade.
Esta lógica afundou o mundo em uma recessão brutal, com a
vida no planeta sendo sistematicamente ameaçada, seja pela fome, miséria,
doenças epidêmicas, violência, guerras, poluição, degradação, etc. Uma bomba relógio
armada, composta por miseráveis e suas crescentes frustrações.
Convenceram muitos trabalhadores que a perda dos seus
empregos, dos seus direitos e suas dignidades era a receita pra salvar o mundo
do pior. Assim, o capital internacional, através da precarização do trabalho e
dizimação dos direitos sociais dos trabalhadores, garantiu o ganha-pão dos mega
investidores, que não precisam ganhar mais nada e muito menos sentem falta de
pão, diferentemente dos povos cada vez mais agressivamente explorados.
Sim, pois para o lucro de uns poucos, se faz necessário à
exploração de muitos. E neste contexto, a democracia tão defendida
invariavelmente por discursos inflamados e teses de sociologia convenientemente
renegadas ao esquecimento, acabou descendo por ralo abaixo.
Isto tudo aconteceu devido a desmedida ganância de alguns
senhores e pelas escolhas equivocadas dos governantes do mundo que se
comprometeram com um projeto, que no fritar dos ovos, negava e deslegitimava o
espaço da política como mediação dos interesses de determinada sociedade e
assim, assistiram impassíveis a perda da autonomia das nações por eles
dirigidas.
Isto, quando os políticos dirigentes em questão têm
compromissos com seu povo e não com uma parcela da sociedade, muito pequena e
alinhada aos interesses do grande capital especulativo internacional. Neste
caso, a passividade é engodo, pois a tarefa que a burguesia espera dos seus
quadros políticos é o de facilitação dos interesses do grande capital frente ao
sistêmico e programado desmonte do estado de bem estar social, ou qualquer
tentativa de implementá-lo.
Esta passividade não foi, contudo refletida nos movimentos
populares organizados e povo desorganizado que entendeu o tamanho da encrenca
que queriam lhes meter, principalmente no dito, terceiro mundo. O povo foi para a rua lutar para que seus
patrimônios nacionais não fossem deliberadamente entregues aos interesses
diversos aos da população do país. E o pior era que a deliberação era realizada
sem o necessário debate público com os diretamente envolvidos. Mas iam dizer o
que?
Viemos aqui roubar suas riquezas?
Assim aconteceu na questão da privatização das águas na
Bolívia, na luta contra a privatização de estatais no Brasil, com suas vitórias
e derrotas, nos panelaços argentinos lutando contra a destruição das empresas e
da economia nacional.
Apesar das intenções desta elite reacionária ficarem semi-
ocultas, o povo lutou para que não se efetivasse completamente, o sórdido plano de subalternidade,
operado pelos que detinham a perspectiva de representação popular, nos
sistêmicos rearranjos do capitalismo em sua fase mais perversa e terminal.
A pressão popular e o único caminho de contraponto. Unica alternativa de desarmar esta bomba relógio, que coloca em risco todo planeta. Por tudo isto, vamos pras ruas e para as redes,
pois a luta continua companheiros, e com certeza nos não queremos ou vamos subir neste barco.

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